terça-feira, 9 de novembro de 2010

A saúde na mídia brasileira: sintomas de uma doença anunciada - contribuição da colega Tatiane Lawisch

Jornalismo e Saúde

:: A saúde na mídia brasileira: sintomas de uma doença anunciada
Wilson da Costa Bueno* 

      Resumo

     A cobertura de saúde na mídia padece de uma doença difícil de ser tratada: a chamada patologia da fonte, cujos sintomas são a desqualificação da informação e o domínio dos interesses comerciais. A cura pressupõe um tratamento longo e doloroso, que inclui uma postura ética e política frente às pressões das fontes e uma capacitação dos comunicadores da saúde.
     Uma análise, ainda que ligeira, das ações e estratégias de comunicação focadas na saúde em nosso País evidencia alguns equívocos e distorções que precisam ser imediatamente corrigidos, sob pena de perpetuarem uma situação que penaliza, sobretudo, o usuário da informação, seja ele um leitor apressado de jornais e revistas, um desavisado radiouvinte ou, mais freqüentemente, um fiel telespectador.
     Na verdade, concorrem para definir este cenário, que prenuncia sintomas de uma doença anunciada, além dos fatores intrínsecos ao processo de comunicação, uma série de interesses e compromissos que se localizam nas próprias fontes de informação.
     Para se chegar, portanto, nesse caso, a uma terapêutica adequada, capaz de debelar a doença (a ineficácia do processo de comunicação em saúde), será necessário um diagnóstico abrangente que contemple não apenas o paciente (a mídia brasileira especificamente) mas o contexto em que ele se insere. Em princípio, essa abordagem não tem nada de inovadora, ainda que, no campo da saúde, a especialização conduza a atenção para o detalhe em detrimento do todo. Optamos, nesta análise, por ampliar o foco: ainda que não haja dúvida de que um microorganismo (um vírus ou uma bactéria) seja o responsável direto pela doença, estamos dispostos, também, a buscar as razões pelas quais este microorganismo encontrou ambiente propício para sua ação, geralmente devastadora.
     Estamos convencidos de que, para recuperar o paciente, precisamos, em primeiro lugar, tornar o ambiente asséptico, livre de contaminações, num amplo e saudável processo de prevenção. O vírus da informação desqualificada ou comprometida se multiplica, com facilidade, quando o meio lhe é favorável, suplantando o sistema de defesa que deveria, potencialmente, fazer-lhe frente. Ato contínuo, provoca tal desorganização no organismo informativo que a metástase acaba se tornando irreversível, comprometendo de vez a saúde do paciente combalido.
     A patologia da fonte
     No processo de comunicação em saúde, existe uma premissa básica: o estabelecimento de um fluxo ágil e permanente de informações qualificadas é fundamental, particularmente quando a ele se agrega a possibilidade de uma interação democrática entre emissores e receptores destas informações.
     Estudiosos da comunicação e da saúde têm comprovado, ao longo do tempo, a importância da educação/comunicação para a saúde e acumulado argumentos irrefutáveis em favor da implementação de canais que propiciem aos cidadãos informações precisas, ética e socialmente responsáveis.
     Os exemplos são inúmeros e absolutamente contundentes. Eles confirmam a tese de que o investimento em educação para a saúde representa um vetor importante na prevenção de doenças e na definição de políticas públicas que atendam aos segmentos menos favorecidos da população.
     A comunicação em saúde deve ser vista, pelo menos é a perspectiva deste trabalho, como uma modalidade singular da divulgação científica, certamente a mais importante, se levarmos em conta o espaço e tempo a ela dedicados pelos meios de comunicação de massa.
     Jornais e revistas, sejam eles de grande ou pequeno porte, em termos de tiragem ou penetração; emissoras de rádio e de televisão, de âmbito nacional, regional ou local; e mesmo canais da televisão por assinatura, em sua maioria internacionais, encerram uma cobertura bastante generosa da área da saúde, certamente em função do interesse que ela desperta na audiência.
     Antes de analisarmos propriamente a qualificação desta cobertura, devemos ter presente, porém, que, em grande medida, ela está condicionada pela intenção da fonte. Nesse caso, em princípio, ela é bastante diversificada, porque pode estar representada por uma grande indústria farmacêutica, um centro de pesquisa em saúde, uma universidade, um hospital , um laboratório de análises clínicas, uma empresa de seguro-saúde e até mesmo um profissional (um médico, por exemplo), todos eles interessados em divulgar seus conhecimentos, seus resultados de pesquisa, seus produtos, suas tecnologias ou a sua excelência na prestação de serviços.
     Assim como na divulgação científica, temos como matéria-prima, para o processo de comunicação em saúde, dados, informações e conhecimentos que se constituem, efetivamente, em uma mercadoria valiosa. Por este motivo, a fonte em geral não é isenta e busca empreender um esforço mercadológico ou pessoal, nem sempre ético ou transparente, para veicular na mídia aquilo que lhe interessa ou, o que soa mais surpreendente, para impedir que determinadas informações cheguem à opinião pública, quando elas contrariam os seus interesses.
     Temos, em muitos casos, um poderoso lobby que, não raramente, se vale de procedimentos espúrios para manipular a opinião pública. Esta ação pode determinar o sigilo e o controle da informação e temos cada vez mais elementos para concluir que esta pressão não se exerce unicamente sobre os meios de comunicação de massa, mas se estende às revistas científicas e ao próprios profissionais de imprensa e de saúde .
     A recente eleição americana, que ganhou repercussão maior do que a usual pelas trapalhadas do seu confuso processo de apuração, escancarou o relacionamento cada vez mais estreito entre o poder político e o poder privado. Assim, pudemos tomar conhecimento, por exemplo, de que as indústrias do Vale do Silício foram assediadas pelos candidatos Al Gore e George Bush, interessados em associar sua imagem à do progresso tecnológico, e em buscar recursos para as suas campanhas. Soubemos também que "as principais companhias farmacêuticas dos Estados Unidos e suas organizações comerciais gastaram não menos de 46 milhões de dólares em propaganda política e doações para influir nas eleições", preocupadas pela "possibilidade do governo incluir um benefício para os medicamentos prescritos no sistema de saúde pública Medicare e pelas características que terá o programa". Aliás, Jeff Trewhitt, porta-voz da Pharmaceutical Research & Manufactures of America (PhRMA), maior grupo comercial do setor, sediado em Washington, fez questão de não dissimular o interesse pelo resultado do pleito (a demora na proclamação do novo presidente deve tê-lo deixado à beira de um ataque de nervos): "nos preocupa bastante os controles sobre preços...e faremos tudo o necessário para que seja ouvida nossa opinião". (1) No Brasil, trava-se, neste início do novo século, um debate (ou mais propriamente um embate?) entre Governo e grandes laboratórios, mediado pela mídia, em virtude do aumento considerado abusivo dos preços dos medicamentos. A disputa, que já ensejou, inclusive, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), revela a amplitude dos interesses em jogo e uma formidável ação comunicacional subjacente. Pelo menos neste caso, a mídia postou-se ao lado do Governo e dos cidadãos, invocando argumentos para combater o que considera ser prejudicial à sociedade. O episódio serviu também para que pudéssemos avaliar as forças que se movem no Congresso, geralmente conectadas com os interesses de segmentos da sociedade (ruralistas, representantes do ensino e da medicina privadas, entre outros).
     Mas este lobby nem sempre tem sido feito dentro das regras da transparência democrática, resvalando para um terreno perigoso que inclui suborno e conspiração.

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